Programa de Exposições - CCSP 2008
"Paisagem Discreta" é o título de uma das obras que Fernando Velázquez nos apresenta. Neste contexto, o adjetivo "discreta" vem emprestado da matemática, que em informática se refere a uma forma particular de codificação que um símbolo ou conjunto de informações adquire. Por exemplo, o valor discreto para o caracter "A" em linguagem binária é 010000001.
Na tradução proposta por Fernando, a linguagem binária assume um formato de imagens em movimento, formas geométricas que se deslocam horizontalmente, cuja configuração se modifica de acordo com a passagem dos visitantes. É uma outra forma de construir uma paisagem.
Historicamente, a experiência do horizonte opera como uma imagem que situa a minha posição no espaço. Mas nesta proposição o horizonte é inquieto, desliza e escorrega. Nesta infixidez, frustra-se o desejo por uma paisagem que me dê as cordenadas de onde estou.
Mas a frustração não é necessariamente negativa. Em arte, uma frustração pode ser um ponto de partida, a oportunidade de produzir um sentido que ainda não está dado, de colocar em dúvida verdades aparentemente bem acomodadas.
As imagens que estão na parede oposta à paisagem discreta são da série chamada "In between", do inglês "entre". São imagens obtidas via satélite de aeroportos, manipuladas, que criam estas composições em preto e branco e que só a partir de um olhar muito atento podem revelar a origem a partir da qual foram extraídas.
Podemos pensar em relações possíveis entre estas duas obras. Nas duas há um processo de desnaturalização. Na primeira, a paisagem que deixa de ser paisagem. Na segunda, imagens que também se distanciam de seu referente.
E por que a escolha da paisagem e dos aeroportos para realizar esta operação?
Aeroportos são pontos de partida, de decolagem, a partir dos quais se pode voar e descobrir outras paisagens. Uma possibilidade de leitura é que a combinação de "Paisagem discreta" e "In between" falam de despedida. Parto de imagens de aeroportos, assim como também parto de uma noção de paisagem.
Partimos, e cada vez menos conseguimos construir uma paisagem tal como a concebemos historicamente, especialmente em uma cidade como São Paulo onde o horizonte é distorcido pela quantidade crescente de prédios. Fernando aponta para outras formas de ver, que se despedem também de uma forma de se pensar, oferecendo lugares outros a partir dos quais olhar, e frustrando nossa tentativa (talvez nostálgica) de alcançar na arte uma compensação de algo que nos escorrega e que perdemos a cada novo caminhar. A arte aqui nos empurra e desacomoda, subtrai o nosso solo seguro, frustrando nosso desejo de retorno para um modo de ver o espaço que talvez já não seja mais possível em nossos tempos.
Nesta proposição, não há mais retorno, não há mais paisagem. Há alguma outra coisa se construindo, que talvez não dê para chamar de horizonte ou lugar. São pontos de partida, mas a palavra chegada talvez não exista nesta paisagem que nos foge e que se descontrói a cada novo passo. Também é discreta porque é um anúncio. Há uma perda, mas não é nostálgica nesta proposta. E não é uma nova paisagem, pois essa palavra já não é suficiente para descrever isto que se coloca. A idéia de paisagem é apenas memória. E a palavra paisagem é um termo temporário, enquanto proposições artísticas como esta operam na construção de uma outra linguagem. A arte aqui já não é representação, é dispositivo gerador.
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